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Zé do Caixão | À meia-noite levarei tua virgindade

por Ivan Cardoso



A capa preta, a cartola e principalmente as unhas absurdamente longas são velhas conhecidas do Brasil inteiro. Porque esses são os elementos que identificam ZÉ DO CAIXÃO: uma espécie de superego da maldade nacional. O que muita gente não sabe é desassociar o médico do monstro. O aterrorizante Zé do Caixão é um personagem criado por JOSÉ MOJICA MARINS, 54 anos, brasileiro, cineasta com mais de trinta anos de profissão. Mojica se diz um homem comum como qualquer outro, que aprecia a solidariedade humana e filmes com belas histórias de amor. O que não o impede de fazer, em breve, o primeiro filme brasileiro de terror com cenas de sexo explícito.


IVAN: Mojica, como você começou a se interessar por cinema?


JOSÉ MOJICA MARINS: Eu sou filho de pais artistas circenses, meu pai era toureiro e veio da Espanha para cá. Aqui ele encontrou muitos problemas em fazer touradas, matar os touros… Depois ele se casou com a minha mãe, que era cantora de tangos. Eu nasci viajando pelo Brasil. Desde garotinho, eu ia para a Bahia, para o Mato Grosso, para todos os lugares para onde eles levavam o circo, com as touradas...


IVAN: Você nasceu em São Paulo?


JOSÉ: É, em São Paulo. Não nasci de nove meses, nasci de onze, dois meses a mais. Quer dizer, nasci com atraso porque já havia uma evolução especial mesmo dentro do ventre da minha mãe. Com dois ou três anos eu já gravava na minha mente as touradas que via o meu velho enfrentar. Então eu já nasci dentro dessa vida atribulada, e com cinco, seis anos, eu sentia uma atração tremenda pela comunicação da imagem. Porque eu via meu pai fazendo as touradas, matando os touros, e quando ele falava a plateia ouvia, e eu começava a ver o que era a comunicação da imagem. A pessoa tem que fazer algo superior, ser mais do que os outros para poder ser ouvido. A minha primeira pretensão foi ser toureiro, mas aí a Associação Protetora dos Animais acabou com as touradas no Brasil Meu velho tentou montar uma praça de touros aqui em São Paulo, no Brás, mas não conseguiu. Daí ele passou a ser gerente de um cinema que era dos meus padrinhos. E nessa época, com seis, sete anos, eu comecei a me interessar por uma coisa que assustou os meus velhos: eu comecei a predizer problemas de morte...


IVAN: Você primeiro se interessou pelo sobrenatural pra depois se interessar pelo cinema?


JOSÉ: É, eu me interessei primeiro pelo sobrenatural por causa de uma história que aconteceu no bairro onde eu morava. Tinha um batateiro no bairro que gostava muito das crianças, contava todas aquelas histórias da carochinha pra gente, era muito querido das pessoas, e um dia ele morreu. E nós, os meninos que éramos amigos dele (eu, um negrinho chamado Crispim, um japonês e um portuguesinho), fizemos uma coroa de flores para levar para o nosso amigo batateiro. O pessoal todo do vilarejo estava no velório, prestando homenagem ao amigo de todos. De repente o batateiro começou a mexer no caixão e levantou, todo mundo saiu correndo. No velório, praticamente, só ficamos eu e meus três amigos. Eu não entendia porque aquelas pessoas que estavam chorando pela morte do amigo, porque Deus tinha levado um homem tão bom, a mãe dele que chorava, a esposa, os filhos; aquele povo que estava rezando fugiu apavorado. Mais tarde o delegado, que viu a gente conversando com o batateiro, foi chegando de mansinho, depois velo o padre com aqueles negócios de "vá de retro, Satanás” e benzendo tudo. Finalmente chegou o médico e disse que era catalepsia. A então mulher do batateiro quis se separar dele, as pessoas não compravam mais batatas dele, nossas mães não deixavam mais a gente conversar com ele.


IVAN: Que idade você tinha então?


JOSÉ: Cinco para seis anos. Aquilo me gravou a ideia da morte. Por que, se todos queriam a volta do homem, quando ele voltou todo mundo se apavorou?


IVAN: Você acredita no sobrenatural?


JOSÉ: Claro que eu acredito em forças ocultas. Sou muito sincero em dizer que sou um ateu, mas um ateu que acredita em uma força superior, em uma força mental... Porque se nós temos a mente é porque existe uma força muito maior que nos deu a nossa mente. E isso não quer dizer que existam seres só aqui na Terra, mas também em todos os pontos do universo. Acredito que existam outros seres viventes em outros planetas, muito mais sábios que nós, que existem desde muitos milênios antes que nós. Então tenho que acreditar nessa força. Mas é claro que acredito muito mais na força mental de cada um de nós. Em todas as minhas pesquisas pelo sobrenatural, desde a época do batateiro, eu tenho visto coisas impressionantes.


IVAN: Você já testemunhou fatos inexplicáveis?


JOSÉ: Eu testemunhei um fato do qual eu mesmo participei. Foi uma seita que nós montamos, que tem algo a ver com círculos esotéricos. Nós colocamos um grão de feijão sobre uma mesa e ficamos, seis pessoas de grande força mental, concentrados durante seis horas vendo esse grão de feijão brotar e murchar por falta de terra. Isso eu achei algo sobrenatural, mas que também é muito natural por ser o poder da própria mente. E isso me faz acreditar ainda mais no poder da mente. Por isso eu digo que muitas das coisas que acontecem e as pessoas falam que é fantasma, espíritos, é o poder da nossa mente. Porque eu acho que da mesma maneira que a nossa voz fica presa aqui na terra, e isso foi provado cientificamente... Você pode ouvir vozes de pessoas que viveram há quatrocentos anos atrás. Então, do mesmo jeito, eu acho que o pensamento da gente também não sai daqui. Por exemplo, um homem está à beira da morte e ama demais a sua esposa, tem um amor muito grande por ela e pensa nela na hora da morte. Ele morre, mas o pensamento fica. Então, a visão, o aviso que ela vai ter é o pensamento dele que está pairando no ar. É aquilo que a gente chama de fantasma, alma do outro mundo.


IVAN: Você já viu algum fantasma?


JOSÉ: Não posso dizer que eu vi fantasmas assim diretamente. Mas sou um elemento que teve muitas intuições, forças que me comandaram a ir a determinados lugares e, realmente, ver, depois de alguns minutos, coisas terríveis aconteceram. Houve casos de eu ter que passar perto da minha casa e uma voz dizer: “Você não deve entrar por essa rua”. Talvez tenha sido a voz de alguém que gostou muito de mim, de uma mulher que me quis muito, ou de um parente muito chegado a mim. Então eu dei a volta por outra rua e o elemento que vinha em meu lugar, coitado, foi assassinado logo em seguida.


IVAN: Como foi que surgiu o personagem Zé do Caixão?


JOSÉ: Nasceu disso. Desde garoto eu tive acesso ao cinema porque meu pai era gerente de um. E eu via todo gênero de fita e o que mais me fascinava eram as fitas de terror. Tudo porque aquele problema da morte me ficou gravado e eu queria saber o que vinha depois dela. Eu fiz as minhas primeiras fitas em oito milímetros. E elas chamavam: “Juízo Final”, “O Fim do Fim”, “O Ano da Besta”. Eu tinha nove anos quando fiz “Juízo Final”, tentando fazer trucagens com uma velha máquina de oito milímetros. Dentro desse assunto eu mostrava o que eu via como sendo o caso e o que vinha depois da morte. Eram assuntos que me interessavam demais e eu comecei a mexer com isso vendo a reação do povo. Depois fiz várias fitas em 16mm e passava pelo interior. Isso foi há quarenta anos atrás, eu era muito garoto, mas muito precoce. Até que chegou a hora de eu fazer cinema profissional e ninguém acreditava muito em fazer esse tipo de filme aqui no Brasil. E eu tentei fazer uma fita na linha daqueles dramalhões mexicanos que estava muito em moda na época. Fiz “Sentença de Deus” e não tive muita sorte. Foi então que começou esse negócio de maldição, porque cada vez que eu estava para concluir um filme a atriz principal morria, outra ficava aleijada, ou o ator enlouquecia, ficava pirado... Esse meu filme foi passado sem ser terminado. Inclusive eu tive que inventar um romance e me promover para poder ter de volta o dinheiro que eu tinha investido no filme. “Sentença de Deus” foi a minha primeira fita profissional, e ali vi que o negócio era bang-bang. Parti para o primeiro filme brasileiro em cinemascope; “Sina do Aventureiro”. Esse meu filme foi praticamente condenado pelos padres, porque pela primeira vez apareciam duas mulheres nuas no cinema. Dizem que a primeira atriz a aparecer nua foi… (pensa). Não me lembro quem diz que foi, mas me lembro que era num filminho ordinário. Acontece que eu já havia mostrado mulher nua muito antes, em “Sina do Aventureiro".


IVAN: O Zé do Caixão veio quando?


JOSÉ: O Zé apareceu quando eu estava me preparando pra fazer “Geração Maldita”, uma fita que mostraria os jovens rebeldes que nós temos hoje. Não fiz essa fita porque aí aconteceu comigo o primeiro fato sobrenatural pesadão mesmo. Eu estava com tudo pronto e ia começar a filmar no dia seguinte. Quando eu cheguei em casa, cansado de tanto trabalhar e ia começar a filmar no dia seguinte, eu sentei perto da mesa e de repente fiquei como um morto vivo, sonhando acordado. Eu senti uma figura de preto me arrastando para um lugar aonde eu não queria ir. Comecei a gritar e aquilo parece que durou horas. Meus familiares acharam que eu estava possuído pelo demônio, porque eu estava sentado, com os olhos bem abertos e gritando: “Não me leve, não me leve…” No meu sonho essa figura de negro me arrastava para uma tumba onde estava escrito o meu nome e a data da minha morte. E eu não queria ver a data da minha morte. De repente eu vi que essa figura de negro era eu mesmo me arrastando para o meu próprio túmulo. Só não vi a data da minha morte porque não quis ver. Quando acordei já tinham ido buscar um pai-de-santo e estavam todos lá no saravá. Mas eu levantei, tomei meu banho e não quis dar atenção a ninguém, fui para o meu escritório. Quando a minha secretária chegou eu mandei que ela fosse avisar os meus sócios que eu havia bolado uma outra fita, que ia chamar “À Meia-Noite Levarei Tua Alma”. É claro que eu não tinha roteiro nem nada, mas falei que não tinha importância, que eles podiam chamar o pessoal pra filmar. Eu conversei com o pessoal e eles acharam que era loucura o que eu queria filmar. Naquela época o Ignácio de Loyola Brandão disse que eu era o assassino do cinema nacional, que só eu poderia filmar “À Meia-Noite Levarei Tua Alma”. Aí surgiu o personagem Zé do Caixão, só que nenhum ator quis se expor ao ridículo de fazer esse personagem. Era 1963 e o pessoal estava começando a se projetar na televisão, então nenhum ator queria se queimar fazendo o Zé do Caixão. Como eu tinha a barba crescida devido a uma promessa que a família havia feito quando eu fiquei doente, aproveitei pra fazer o Zé do Caixão. Aí eu criei a roupa do personagem: uma cartola, que eu achei que ia bem no personagem; uma capa, que eu peguei de um negócio de quimbanda e uma roupa preta.


IVAN: Quem é o Zé do Caixão?


MOJICA: É um personagem forçado que sou eu. Só que eu não pensei que ele fosse se transformar em uma lenda viva. Quem sabe o Zé do Caixão seja tudo aquilo que eu gostaria de ser e não fui. Hoje eu sou um homem sentimental, boêmio, que acredita no amor. O Zé do Caixão já é um homem sem sentimentos, que não ama. Então, quem sabe, eu quisesse, inconscientemente, ter uma fuga através de um personagem que fosse tudo o que eu gostaria de ser. Talvez eu quisesse ser um elemento que pensasse menos nos outros e mais em si mesmo. O Zé só pensa nele, em construir o seu mundo, ter o seu filho, um ser superior, que ele vai ter com uma mulher também superior. O Zé busca sua imortalidade através do pensamento. E esse filho ele vai ter com uma mulher que pensa igual a ele, quer dizer, ela não precisa ter uma beleza superior, ela precisa apenas pensar da mesma maneira que ele; não amar e não odiar. Partindo desse princípio, eles partiram para a hereditariedade. E se esse filho pensar como o Zé, ele vai ser imortal.


IVAN: Você me falou a respeito de um filme que vocês estão fazendo sobre você chamado “Zé”. E vocês foram filmar num centro espírita. Você poderia contar essa história pra gente?


JOSÉ: Aconteceu uma coisa impressionante durante as filmagens, e por isso mesmo elas vão ter que ser repetidas. Só que acho que jamais vamos conseguir de novo o mesmo efeito. Foi num centro espírita de um pai-de-santo muito famoso em São Paulo.


IVAN: Como é o nome dele?


JOSÉ: Não me lembro. Porque eu apenas pesquisei e não dou muita bola pra isso, embora todo mundo ache que eu sou espírita. Não guardo o nome das pessoas, mas acho que as pessoas é que têm de guardar o meu, porque eu estou sempre fazendo alguma coisa diferente. Eu sei que desce um Exu lá nesse pai-de-santo e as pessoas temem demais esse espírito. Mesmo pessoas de maior evolução cultural, formadas, que estudam, que viajam para fora do País. Então a equipe do filme preparou, em Cubatão, um trabalho pra esse exu baixar. E ele baixou. Só que no início eu não sabia que o negócio era pra valer, e o diretor queria que eu me apresentasse como Mojica e como Zé do Caixão. Primeiro, como Mojica, eu fui pedir auxílio e esse Exu conversou comigo. Com toda a humildade eu me expus a ele, disse que precisava de auxílio e ele me mandou fazer vários trabalhos. Depois o diretor disse que queria ver o Zé do Caixão falar com o Exu. E a reação foi muito diferente, porque o Zé chegou arrasando o Exu. Os diálogos foram muito importantes e o diretor quis pegar todos eles. De repente o Zé do Caixão se tornou um elemento muito mais avançado que o Exu e começou a discutir com ele. Daí o Exu passou a não entender mais nada, porque ele estava conversando com o Mojica e de repente não era mais o Mojica que estava ali. Houve realmente um atrito muito grande e o mau personagem acabou provando que poderia acabar com o Exu de uma hora pra outra. Nós quase nos pegamos, e toda a equipe do filme ficou assustada, porque quase todos eles acreditaram nessas coisas. Então eu fiz uma aposta com o Exu: nós estávamos embaixo de um viaduto, numa encruzilhada, e eu apostei com ele que se a gente pulasse do viaduto juntos, eu sairia com vida e ele não. Ele acabou não querendo saltar comigo.


IVAN: Existe alguma força sobrenatural superior ao Zé do Caixão?


JOSÉ: Olha, na minha concepção não. A não ser esse computador universal que nós não sabemos onde está. O Zé apareceu desse computador, por isso já veio com uma mente muito evoluída e um grande poder mental e visual. O seu corpo é coberto com uma espécie de auréola, como Cristo. Assim é Zé do Caixão. Ele pratica a voz que ficou dos grandes oradores do mundo. Como Napoleão, Alexandre, o Grande, ou Hitler que conquistou o mundo inteiro ao falar. Quando eu estou como Zé do Caixão posso levar o pessoal para onde eu quero. Uma pessoa que tem todos esses poderes poderá um dia chegar até a transposição ou a regressão para o lugar que ela queira. O Zé já está chegando lá. Porque essas coisas já estão sendo provadas através da ciência, da parapsicologia e da psicologia, coisas que eu não estudo, mas que leio muito a respeito. Então eu estou vendo que tudo que eu escrevi há vinte anos, sem a vivência que eu tenho hoje, está se realizando. E vejo o meu personagem de Zé do Caixão cada vez mais poderoso. Por isso não vejo outro ser mais poderoso do que ele, a não ser essa máquina que fez o bebê de proveta. Então por que não chamá-la de Deus?


IVAN: Por que você usa as unhas compridas?


JOSÉ: Uma vez que eu criei um personagem que se tornou uma lenda viva e eu passei a interpretá-lo, eu me vi obrigado e usar as unhas para as pessoas verem que era uma coisa autêntica. Depois isso se tornou normal em mim. Perder uma unha pra mim é como perder um dedo. Assim como pra você vai fazer falta a sua língua, porque você não vai poder falar, ou seu membro, porque você não vai poder ter sexo, pra mim as minhas unhas são membros.


IVAN: Quantos filmes você já fez?


JOSÉ: No total eu já atingi mais de setenta e cinco filmes, longas-metragens. Fora os curtas que eu fiz. Isso foram filmes que eu dirigi, produzi. Os filmes que eu participei como ator e diretor foram mais ou menos sete ou oito.


IVAN: Qual dos teus filmes você mais gosta?


JOSÉ: Citaria: “Finis Hominis”, “Ritual dos Sádicos", “À Meia-Noite Levarel Tua Alma”, “Esta Noite Encarnarel no Teu Cadáver”, “O Estranho Mundo do Zé do Caixão”, “Exorcismo Negro”. Essas são as fitas que eu mais gosto.


IVAN: A sua fita “Ritual dos Sádicos” está presa na Censura há quantos anos?


JOSÉ: Já chegou na casa dos treze anos, meu número. Então esse ano vou tentar liberá-la. Não por causa da abertura, nada disso, mas porque a fita estava avançada para a época. Hoje ela pode ser liberada normalmente, porque apesar de ter cenas de sexo, não é do sexo explícito. É um sexo muito bem feito, com muito bom gosto, mostrando todas as taras do mundo, mostrando a dupla personalidade que tem cada um de nós.



IVAN: Quantos personagens você criou além do Zé do Caixão?


JOSÉ: O que ficou mais famoso foi o Zé do Caixão, mas há também o Oxiac Odez, que é a inversão do Zé. Inclusive tenho um roteiro para ele, que é “Sete Dentes para o Demônio". E o personagem mais importante que eu criei foi o Finis Hominis, um personagem criado muito antes do seu tempo. Agora seria o momento de lançar o Finis Hominis. Fiz duas fitas com esse personagem: “Finis Hominis” e “Todos os Deuses Adormecem”. Finis é tudo aquilo que o ser humano precisa, porque todo ser humano precisa acreditar em alguma coisa. Ele se chama Finis Hominis porque é um elemento que entrou em uma igreja à procura de água, e não encontrando água foi beber o vinho do padre. O sacristão vendo aquilo foi avisar o padre, e o padre vendo esse elemento bebendo seu vinho, gritou: “Finis Hominis”. Quer dizer: "É o fim do homem”. Esse foi o nome que ficou na cabeça do personagem, e quando a polícia o prendeu e perguntou seu nome, ele disse: “Finis Hominis”. Acontece que esse personagem surgiu numa praia, nu, e saiu andando pelas ruas. Ao passar por uma mulher paralítica, esse homem peladão fez com que ela, de susto, saísse correndo. Então todos gritaram: “Milagre!" e disseram que Cristo havia voltado. Eu diria que Finis Hominis seria o número 666, o antiCristo.


IVAN: Quem é você?


JOSÉ: Sou o que sou. Sou um homem que aspira as boas coisas da vida como todos os outros, tem a sua meta, a sua missão é algo a deixar aqui. Tive um momento privilegiado de criatividade, sem precisar fazer altos estudos teóricos. É claro que se eu não entender alguma coisa, contrato alguém de cultura mais avançada para fazer para mim. Eu sou um homem de imagem, qualquer imagem me cativa, por isso o cinema se tornou a minha cara metade.


IVAN: Você se considera uma pessoa anormal, diferente das demais?


JOSÉ: Não, não me considero. Aliás, me considero até muito normal. E dentro dessa normalidade eu procuro a razão de sobreviver. Com a graça das forças divinas eu tenho garra para lutar, apesar da minha idade de 54 anos. Mas me considero um jovem de dezoito anos, faço coisas com a mesma mentalidade que eu tinha aos nove anos de idade, porque era uma criança precoce.


IVAN: Na década de sessenta você assombrava São Paulo com seus famosos testes. Conta pra gente o que eram esses testes.


JOSÉ: Há pessoas que nasceram para vender amendoim e vão vender amendoim pelo resto da vida, eu nasci para ser sensacionalista. Quando fiz meu primeiro filme aconteceu uma série de dificuldades, mas ele acabou saindo e me serviu de advertência. Quando fui filmar “Esta Noite Encarnarei no Teu “Cadáver”, precisei de várias moças e rapazes para trabalhar. Então, peguei várias moças bonitas que os produtores quiseram colocar no filme. Só que havia cenas com cobras, sapos, aranhas, cenas de cemitério, mas elas toparam fazer tudo. Porque, você sabe, mulher faz tudo para aparecer, é o verdadeiro diabo. Temos dois lados: Deus que é homem, e o diabo que é a mulher. Mas quando chegou a hora de fazer a parte das aranhas e das cobras, nenhuma delas quis fazer. Nós já tínhamos meia hora de filme pronto, tivemos que jogar tudo fora e começar tudo de novo. AÍ começamos a fazer testes, só que com um objetivo, com uma razão de ser. Ninguém mais me levava na conversa dizendo que fazia isso ou aquilo, que dormia com cadáver, que colocava uma cobra na boca. Eu queria ver para crer. Então, antes de um elemento entrar para uma fita minha, ele tinha que fazer um teste. Teria que ser colocado em um caixão, ser levado para um cemitério e passar a noite lá. Se uma mulher tivesse que enfrentar um escorpião, ela teria um escorpião andando sobre seu corpo. Se a pessoa tivesse que comer minhoca e comer cobra, ela ia comer minhoca e comer cobra antes de fazer a fita. Daí começaram a dizer que eu era louco. Não nada disso, eu era até comerciante demais.


IVAN: E esses testes foram proibidos?


JOSÉ: Foram, porque acharam as coisas muito violentas. Só que nada é violento quando a pessoa não é forçada a fazer determinada coisa. Toda pessoa que faz aquilo espontaneamente e porque gosta, não vejo razão para dizer que aquilo é violência.


IVAN: Mas você arrancava os dentes das pessoas.


JOSÉ: Claro, era sensacionalismo. A gente via certas meninas que tinham que arrancar dentes, só que a gente dizia pra elas: “Você vai arrancar esse dente sem anestesia”. Se elas concordavam, o dente era arrancado sem anestesia. O que eu achava importante é que as mulheres aguentavam a dor pela auto-sugestão. O poder da auto-sugestão podia levá-las a arrancar um dente sem anestesia e sem dor.


IVAN: No “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” você usou aranhas de verdade. Quantas?


JOSÉ: Quinhentas.


IVAN: Venenosas?


JOSÉ: (pausa) As aranhas conhecidas como caranguejeiras têm um veneno que só faz mal para quem tem problemas de coração. Mas nós tínhamos na equipe pessoas especializadas em soro. Caso alguma aranha mordesse alguém, seria aplicada uma injeção e a pessoa não iria correr perigo de vida. Tudo que eu faço eu só faço depois de um estudo profundo. Então eu sei que a aranha passa por cima do corpo humano da mesma maneira que ela passa sobre a terra, sobre a cama ou sobre uma mesa. Ela só morde se ela for provocada. Se a pessoa ficar nervosa e prensar a aranha, ela vai enfiar o ferrão nessa pessoa. E as pessoas eram treinadas para não prensar as aranhas.



IVAN: E houve algum problema durante a fita?


JOSÉ: Houve. Como eram muitas aranhas, na hora em que as moças iam se virar na cama acabavam matando várias aranhas. E outras aranhas também morderam algumas moças. Mas nós tínhamos pessoas com o soro.


IVAN: Como é que você vê, na loucura do mundo de hoje, o terror. Você acha que o terror ainda assusta alguém?


JOSÉ: O terror sempre assusta. Não adianta as pessoas irem atrás da bebida, dos entorpecentes para fugir do medo porque elas sempre acabam caindo no medo. O medo é uma coisa que ninguém até hoje conseguiu dominar. Ainda mais agora que está perto de chegar o ano final, o ano 2000, as profecias de Nostradamus, o ano da Besta; as pessoas têm medo. Não há quem não tenha medo da morte, porque todos temos medo daquilo que desconhecemos.


IVAN: Quantos atores já morreram nos seus filmes?


JOSÉ: Ah, muitos. Daria pra fazer um comício só com os nomes dos atores mortos. Entre cinema profissional, amador e documentários que eu fiz, acho que já morreram mais de trezentas pessoas.


IVAN: Você teve um programa de televisão?


JOSÉ: Tive um programa no canal 13 de São Paulo, Bandeirantes. O programa chamava “Além, Muito Além do Além”. Tive também o programa do Zé do Caixão na Tupi. Os dois foram recordes de audiência. Possivelmente ainda voltarei este ano para a televisão.


IVAN: Por que terror e sexo nas suas fitas?


JOSÉ: Sexo sempre fez parte do terror. Toda pessoa, homem, mulher, homosexual, travesti ou lésbica precisa de sexo. Uma pessoa sem sexo é como alguém sem água no deserto do Sahara, aquilo se torna um terror.


IVAN: O que você está fazendo agora?


JOSÉ: No momento estou levando o nosso cinema de horror pelo lado que ainda não foi explorado em nosso país. Antes eu fazia meus filmes em São Paulo e divulgava no Rio. Agora estou indo para o Paraná, Rio Grande do Sul… Estou procurando gente nova, sangue novo, novos talentos. Então saio por esses estados afora procurando novos elementos, pregando as minhas aulas de auto-sugestão e escolhendo gente para os meus filmes. Estou terminando meu filme que tem o título provisório de "O Diabólico Reino de Zé do Caixão” e estou fazendo um outro filme que se passa muito antes de “À Meia-Nolte Levarel Tua Alma”, mas pela primeira vez farei um filme de terror com sexo explícito. Estou filmando em Minas, Rio Grande do Sul e Paraná. Devo concluir o filme em São Paulo. O filme vai se chamar “À Meia-Noite Levarei Tua Virgindade”. Depois que eu terminar esse filme vou fazer "A Noite Em Que Os Mortos Praticaram Sexo".

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