por Cleiton Lopes
Hoje é comum em produções cinematográficas, animações infantis e diversos outros produtos audiovisuais, a presença da figura do cientista maluco e seu assistente deformado, em um laboratório cheio de traquinagens que soltam faíscas, realizando experiências em uma noite tempestuosa, com raios e trovões rompendo os céus. Esse cenário tem como raízes Frankenstein (1931), dirigido por James Whale, responsável pela direção de outros títulos do gênero como O Homem Invisível (1933) e A Noiva de Frankenstein (1935). Para além dessa cena, o filme é um dos grandes clássicos do cinema de horror e influenciou a cultura popular e diretores renomados como Tim Burton.
A história original é de um livro da escritora britânica Mary Shelley publicado originalmente em 1818. O romance segue uma tradição de literatura gótica vinda de outras obras como O Castelo de Otranto, de 1764 de Horace Walpole e Os Mistérios de Udolfo de 1794, de Ann Radcliffe. Ecoaram também em obras posteriores como as de Edgar Allan Poe, com exotismo, pessimismo e mau agouro. Tópicos comuns nas obras eram a loucura e a desconfiança das novas tecnologias.
A primeira adaptação para o cinema de Frankenstein é de 1910 e foi produzida por Thomas Edison. Já a produção de Whale, tem como base uma peça de teatro lançada nos anos 1920 de Peggy Webling. Junto do longa Drácula (1931), Frankenstein, que, assim como a maioria dos filmes de monstro lançados no período, eram produzidos pela Universal (daí o termo “monstros da universal”), foi responsável por estabelecer as inspirações, os temas e estilos do terror gótico. Enquanto o título vampiresco trazia em si tudo que o cinema de horror poderia proporcionar, a figura criada a partir de partes de cadáveres proporciona à plateia sentir pena pelo monstro que matou acidentalmente uma criancinha e é perseguido pela população local. Ele é construído como uma vítima da sociedade, algo que era novo até então.
O longa de 1931 faz parte de uma trilogia com o ator Boris Karloff interpretando o monstro, que ganhou destaque pela sua atuação cheia de sutilezas, mesmo sob pesadas maquiagens. Aliás, a maquiagem foi algo marcante aqui e cravou para sempre a figura do monstro de cabeça quadrada e pinos no pescoço criada pelo maquiador Jack P. Pierce que também criou o visual de O Lobisomem (1941). A segunda parte da trilogia é o já citado A Noiva de Frankenstein (também com maquiagem de Pierce), com o retorno de Colin Clive como Henry Frankenstein, sendo coibido a criar uma parceira para seu monstro. Na terceira parte, O Filho de Frankenstein (1939), o filho do cientista, o barão Wolf von Frankenstein (Basil Rathbone), volta à terra do pai depois de um tempo fora e é hostilizado pelos moradores locais, devido os estragos que o monstro causou no lugar. Ele parte então numa busca para limpar o nome da família e conseguir viver no castelo junto com sua esposa e filho. Os dois primeiros longas tiveram a direção de James Whale e o terceiro por Rowland V. Lee.
O ator Boris Karloff, além desses três filmes, também esteve envolvido em outras produções relacionadas ao monstro. Em O Castelo de Frankenstein (1958), por exemplo, ele interpreta um dos descendentes do Frankenstein original, que para conseguir dinheiro para financiar seus experimentos, cede o castelo da família para uma produtora de TV.
É importante destacar que Frankenstein é na verdade o sobrenome da família do inventor, o monstro não tem um nome próprio. Ele é referido apenas como “o monstro" ou “o monstro de Frankenstein”. Somente com o passar do tempo, ele ficou conhecido como tal. Inclusive, em O Filho de Frankenstein, o descendente do inventor acha isso uma afronta chamar o monstro com o mesmo nome que seu pai e sua família.
Uma diferença entre o romance e as adaptações é que não era especificado exatamente como o Dr. Frankenstein havia dado vida a sua criatura. Na história original, ele está à beira da morte e narra como foi sua saga por busca de conhecimento e a criação de um ser, mas sem descrever em detalhes como deu vida a ele, o que deu margem para as adaptações futuras. Na versão de 1910 de Thomas Edison, por exemplo, Frankenstein adiciona uma série de elementos a uma espécie de caldeirão cujo dentro sai uma figura que vai se formando aos poucos. A ciência é quase que uma bruxaria. Já na versão de 1931 de James Whale, é adotado a eletricidade como forma de dar vida ao corpo inanimado formado de partes de cadáveres. Coisa que, como dito no início, iria ser para sempre a principal forma de dar vida ao monstro.
Apesar de se tratar de um filme de monstro, as cenas mais chocantes do longa não têm a presença dele, mas consequência de suas ações. Por exemplo, depois de fugir do laboratório que ele foi criado, a criatura encontra com uma criança que, diferente da maioria que o vê, o trata com carinho. Uma garotinha que lhe presenteia com flores e o mostra que ao jogá-las no lago que eles brincam na beira, elas flutuam como barcos. Numa atitude inocente, mas trágica, ele joga a própria criança na água acreditando que ela flutuaria da mesma forma e ela acaba morrendo afogada. Momentos mais tarde, o pai leva o corpo da menina em seus braços até o lugar onde estava ocorrendo a festa de casamento de Dr. Frankenstein. No percurso, as pessoas que inicialmente comemoravam, vão mudando de feição, de felizes, para assustadas até a revolta pelo ocorrido e passam a ir em direção às autoridades junto ao pai buscando por justiça.
Imageticamente essa cena causa um grande impacto. O pai carrega o corpo sem vida, ainda molhado e que, ao avançar pelo quadro, vai minando toda energia da festa. Nesse caminho, muito pouco é dito, apenas exclamações e apontamentos de que algo de muito grave havia ocorrido. Toda a informação fica por conta do olhar e o caminhar desamparado do pai e a reação das pessoas que vão surgindo no quadro. A junção da cena das flores em que o monstro mata a criança acidentalmente com a peregrinação do pai, é cultivada em nós a pena pelo monstro. Isso, é claro, ainda com outros elementos que precederam esse momento, como os maus tratos que a criatura sofria nas mãos de Fritz (Dwight Frye), assistente do Dr. Frankenstein.
Outro ponto interessante a se notar em Frankenstein, é o final sem a presença de um cadáver, sem vermos a criatura morta de fato. Isso é o que dá margem para a possibilidade de uma sequência. Característica que vai ser marcante em produções futuras do gênero, como os slashers dos anos 1980 como Sexta-Feira 13 (1980) ou A Hora do Pesadelo (1984), por exemplo, em que sempre existe uma desculpa para o monstro ter sobrevivido ao ataque aparentemente fatal no final do filme.
Um dos realizadores que vai ser bastante influenciado por Frankenstein é o excêntrico diretor norte americano Tim Burton. As referências ao monstro aparecem já nas suas primeiras produções como o curta Frankenweenie (1984), que viraria um longa de animação em 2012. Nas duas versões, um garoto que teve seu cão morto atropelado, após assistir a aulas de ciências na escola, faz experimentos com eletricidade para trazê-lo à vida. Ele consegue, mas o animal volta um pouco diferente. Segundo Burton, após rever o clássico, que é um dos seus filmes favoritos, ele conectou a ideia do monstro com a possibilidade de trazer o cão que teve na infância de volta a vida, mas contando uma história mais otimista, visto que ele achava muito trágica a versão de 1931.
Os temas como a pena pelo monstro ou criaturas sendo vítimas da sociedade apenas pelas suas peculiaridades, também iriam surgir em outras produções do diretor como um dos seus filmes mais famosos, Edward Mãos de Tesoura (1990). Aqui, Edward (Johnny Depp) um ser criado por um cientista e que tem tesouras no lugar de mãos, vive sozinho em um castelo. Ele então é descoberto por uma senhora, Peg (Dianne Wiest), que resolve levá-lo para casa e morar com sua família. Enquanto alguns vão amá-lo e inclusive, encomendar cortes de cabelo exóticos e podas em árvores com formato de animais, outros vão persegui-lo apenas pela sua aparência. Com essas características, talvez seja a obra que mais se aproxima de Frankenstein.
Para além de Edward, Mãos de Tesoura, de uma forma geral, a não adequação de certas figuras vai ser um tema recorrente na obra de Burton desde Os Fantasmas se divertem (1988), com fantasmas deslocados, tentando se adequar a vida de assombração, até O Lar das Crianças Peculiares (2016), com uma espécie de X-Men do Burton, esses personagens irão passar por dificuldades apenas por serem peculiares. Coisa que o próprio diretor é.
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