por Nicolly Rejayra
Itália, 1952.
Aposentados manifestam na Via Nazionale pelo aumento da aposentadoria. A primeira fala do personagem principal, Umberto D. (na qual ainda não fomos apresentados) é: queremos ser ouvidos. Na Itália, o governo mantém uma campanha contra o movimento neorrealista, iniciado anos antes, afirmando que o mesmo é antinacionalista por mostrar os problemas do país, enquanto este tentava se reerguer economicamente no pós-guerra. Aqui se inicia duas batalhas que valem por uma; a de Umberto para manter sua dignidade e sua posição quanto ser humano na sociedade e a do movimento neorrealista, que muitos pensavam estar enfraquecendo ou “acabado” para continuar dando voz à realidade da Itália naquele momento. Com roteiro e argumento assinados por Cesare Zavattini, direção de Vittorio De Sica e fotografia de G.R. Aldo, Umberto D. é uma das últimas obras e também o ápice do Neorrealismo Italiano.
Em 1945, com a queda do regime fascista de Benito Mussolini, uma certa classe artística, em sua maioria escritores da revista Cinema, viu o momento certo de mostrar a realidade para o mundo: uma Itália lutando para se reerguer em meio aos destroços do pós-guerra. Antes de 1945, o cinema italiano produzia, em sua maioria, comédias leves e escapistas fomentadas pelo governo fascista, os chamados telefoni bianchi ou telefone branco (os telefones brancos estavam ligados à aristocracia, visto que eram mais caros e as classes mais baixas usavam telefones de cor preta.) O principal estúdio da Itália, a Cinecittà, havia sido bombardeado. Assim, alguns diretores como Luchino Visconti, Roberto Rossellini e Vittorio De Sica, resolveram explorar as locações externas, com equipamento reduzido e buscando não-atores para criar suas obras. Em 1944 De Sica filma A Culpa dos Pais, iniciando uma longa parceria com Cesare Zavattini. Apesar de ambos terem iniciado suas carreiras nos telefones brancos, foi com as temáticas sociais que De Sica e Zavattini passaram a se destacar no cinema.
Após Vítimas da Tormenta (1946) que traz personagens centrais na pré-adolescência e Ladrões de Bicicletas (1948) que tem como foco o personagem Antonio Ricci, um adulto, Zavattini evidencia a exclusão na terceira idade com Umberto D. (1952). Nos deparamos com Umberto Domenico Ferrari (Carlo Battisti), um velho inútil que não tem um filho e nem um irmão para o ajudar - como ele mesmo se apresenta - que luta para manter seu quarto alugado, sempre na companhia de seu cachorro Flike, que talvez seja o maior motivo pela qual Umberto resiste às mazelas da vida. Ao longo do filme vemos a desconstrução do personagem e o processo de perda da dignidade causada pelo desespero. O personagem inicia a película disposto a lutar pelo que lhe resta e aqui destaco duas cenas; a primeira, no quarto, em que ele diz à Maria que a senhoria espera que ele morra, mas ele não vai morrer, e no terceiro ato do filme, quando Umberto cogita tirar a própria vida, e quase o faz. Uma personagem que também se destaca é a empregada Maria, interpretada pela estreante Maria-Pia Casilio, que está grávida e não sabe quem é o pai do bebê. Com uma situação tão delicada quanto a de Umberto, Maria sabe que será demitida assim que a senhoria descobrir a gravidez.
Em Umberto D. Vittorio De Sica aprimora sua direção, usando um olhar mais intimista que em seus filmes anteriores e menos convencional se comparado com outros filmes neorrealistas. Já não é necessário filmar as locações destruídas, o foco aqui é o ser humano destruído. Exemplo na cena em que Maria, ao acordar, vai para suas atividades rotineiras. Em cada ato existe uma angústia que depois se torna explícita quando, em lágrimas tímidas, mói os grãos de café. A cena foi escrita em mínimos detalhes por Zavattini. Todo o processo de criação do roteiro e argumento foi documentado por ele e publicado em 1953 na Revista do Cinema Italiano. Uma curiosidade: Carlo Battisti, linguista e bibliotecário, amigo de De Sica, fez seu primeiro e único papel no Cinema interpretando Umberto. Os finais neorrealistas nunca são previsíveis. Aqui, Umberto, com toda sua experiência, representando um passado, se afasta da câmera com Flike em um momento de felicidade. Entra em cena um grupo de garotos, a renovação. Umberto D. poderia ser mais um filme do Neorrealismo, mas nele vemos, além de uma das direções mais primorosas do movimento, o final esperançoso que esperávamos em todos os filmes anteriores
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