por Sávio Leite
As primeiras experiências em cinema de animação que se tem notícia feitas em Minas Gerais remonta ao ano de 1954 com GEOGRAFIA INFANTIL e ÁGUA LIMPA, ambas do pioneiro Igino Bonfioli (1886/1965), realizadas em parceria com Fabio Horta, em negativo de nitrato de prata. Em 1958, Bonfioli volta a experimentar a animação de recortes e figuração com AVEIA QUAKER, uma peça publicitária. Tem-se notícia de mais duas animações realizadas por Bonfioli cuja data não se pode precisar, mas provavelmente feitas entre 1959 e a morte do realizador em 1965: JOÃO VENTURA E A FERRADURA e JOÃO VITAMINA, EM BARBÃO, O PANCADÃO. Todas as cópias se encontram no acervo da Escola de Belas Artes da UFMG. Interessante perceber que a aventura de Bonfioli pelo cinema de animação foi contemporânea da produção do primeiro longa de animação brasileiro lançado em 1953: SINFONIA AMAZÔNICA, de Anélio Latini Filho. Uma arte que ainda engatinhava no Brasil e que vai se revelar de difícil distribuição até os dias atuais.
Na década de 1960 não há registro de nenhuma obra animada produzida no Estado. No começo da década de 1970 a rede de televisão mineira TV Itacolomi, Canal 4, realizou algumas animações como vinhetas a cargo de J.J.M Publicidade. Em 1978, Helvécio Ratton, consagrado realizador de A DANÇA DOS BONECOS (1986) e O MENINO MALUQUINHO (1995), dentre outras obras realiza uma experiência única em animação em toda a sua carreira, o elegante e potente curta CRIAÇÃO (1978), com desenhos em acetato, fotos, um roteiro político, feito em parceria com Hugo Fausto Prats.
O processo foi, obviamente, muito trabalhoso, mas gratificante, por ser infinito em possibilidades. Chaplin já dizia que o verdadeiro cinema estava na animação, que não podia ser limitada por nada – atores, locações ou estúdios. Em certo sentido, ele foi profético, já que hoje caminhamos em direção a um cinema que não tem limites justamente em função da animação. Através dos efeitos visuais (que são uma extensão digital da técnica), o cineasta coloca o que quiser na tela, de dinossauros a enchentes – algo que, diga-se de passagem, eu mesmo viria a utilizar no curta O casamento da Iara, quase trinta anos depois. [1]
Também no final de década de 1970, o artista plástico Ângelo Marzano realizou filmes experimentais desenhando diretamente na película de super 8 criando obras como CRIME PASSIONAL E GATUNAGEM de 1975 e 69, UMA PORNOGRAFIA NACIONAL (1979).
A década de 1980 vai ser a década de criação do curso de cinema de animação da Escola de Belas Artes da UFMG. Através de um convênio com o National Film Board do Canadá, a Escola adquiriu equipamentos e material sensível, o que estimulou a criação de um primeiro núcleo regional de animação, realizando 13 filmes de curtíssima duração como: MU de Tania Anaya e KID KANE de Marta Neves, dentre outros. Na década de 1990 os filmes de Tania Anaya chamam a atenção. BALANÇANDO NA GANGORRA (1992) ganha prêmio no 5th International Animation Festival - HIROSHIMA '94.
CASTELOS DE VENTO (1998) foi um dos quatro curtas mineiros premiados pelo 1º Concurso de Projetos para Filmes Curtas-Metragens do Ministério da Cultura, 1997. No filme vários lugares simbólicos de Belo Horizonte são retratados (Praça da Liberdade, Viaduto Santa Tereza, Bar do LULU) e agem como força motriz para a relação de amor entre duas pessoas. O filme funcionou como um renascimento da produção de animação em Minas Gerais. O curso de animação, hoje incorporado também com jogos digitais, ainda está em atividade e é considerado um dos melhores do Brasil.
Já a primeira década dos anos 2000 registrou um número recorde de 247 curtas metragem produzidos em Minas Gerais. Essa explosão da produção se deve ao clima político democrata que o Brasil estava experimentando. Foi a década que surgiram muitos editais e fomentos para a produção. Foi criada a Associação CURTA MINAS que realizou seu primeiro edital para produção de curtas. Um dos filmes premiados pelo edital foi a animação O BLOQUEIO de Claudio Oliveira, baseado no conto homônimo de Murilo Rubião, que fez uma brilhante carreira em festivais brasileiros e internacionais. Essa época é marcada pelo surgimento de novos realizadores como Jackson Abacatu, Leonardo Catapreta, Marcelo Tannure, Ramon Faria, Clécius Rodrigues e Ricardo Poeira.
A segunda década dos anos 2000 confirma a tendência de crescimento da arte da animação no Estado de Minas Gerais registrando novo recorde com 262 curtas realizados. A animação mineira já é uma produção com reconhecimento em festivais e mostras importantes como o Festival de Berlim e Annecy. Novos realizadores com novas temáticas vão surgindo, abrilhantando e diversificando uma arte que é pura magia e encanto. Experiências inovadoras são criadas como Universidade das Crianças, uma série animada onde dúvidas de crianças são respondidas de uma forma lúdica e animada. O projeto pertence à Escola de Belas Artes da UFMG. A animação se insere também dentro das escolas municipais servindo como ferramenta de aprendizado. O Grupo Giramundo, com uma longa tradição na construção de bonecos, também começa a fazer experiência na animação. Giuliana Danza, Debora Mini e Alexandre Dubiela, dentre outros, vem acrescentar a longa galeria de animadores formados no Estado.
O futuro da animação mineira está caminhando na realização de longas metragens. No Estado estão sendo produzidos quatro longas, o que, dependendo do desempenho deles, alargará o interesse coletivo para essa arte realizada aqui.
[1] VILLAÇA, Pablo – Helvécio Ratton: O Cinema Além das Montanhas. São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005.
REFERÊNCIAS:
GALDINO, Marcio da Rocha. Minas Gerais Ensaio de Filmografia. Belo Horizonte: Editora Comunicação, 1983.
GOMES, Paulo Augusto. Pioneiros do Cinema em Minas Gerais. Belo Horizonte: Crisalida, 2008.
LEITE, Savio (Org.). Subversivos: o Desenvolvimento do Cinema de Animação em Minas Gerais. Belo Horizonte: Favela É Isso Ai, 2013.
LEITE, Savio (Org.). Maldita Animação Brasileira. Belo Horizonte: Favela É Isso Ai, 2015.
TAVARES, Mariana Ribeiro, GINO, Mauricio Silva (org.). Pesquisas em Animação - Cinema & Poéticas Tecnológicas. Belo Horizonte: Ramalhete, 2019.
Sávio Leite é de Belo Horizonte, onde nasceu em 1971. Graduou-se em Comunicação na Newton Paiva e realizou mestrado em Artes Visuais na UFMG. É professor de cinema de animação no Centro Universitário UNA há 13 anos. Além disso, ministra oficinas de vídeo e animação. É diretor de curtas-metragens Mirmidões, Marte, Plutão, O Vento, É Proibido Jogar Futebol no Adro da Igreja, Aeroporto, Eu Sou Como o Polvo, Mercúrio, Terra, Kombucha, Nego, Space Dust, Macacos Me Mordam, Tejo/tédio, Saturno, Marcatti, Arrudas, Desarquivando o Brasil, Vênus – Filó a Fadinha Lésbica, Lacrimosa, Walter Tournier e Dinheiro, exibidos e premiados em festivais nacionais e internacionais. Foi indicado quatro vezes ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, vencendo-o, em 2018, na categoria Melhor Curta-metragem. Criador e coordenador da Mumia – Mostra Udigrudi Mundial de Animação e do Timeline – Festival Internacional de Videoarte de Belo Horizonte. Foi jurado em festivais no Brasil e na Finlândia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Armênia. Organizador dos livros Subversivos: o Desenvolvimento do Cinema de Animação em Minas Gerais, Maldita Animação Brasileira e Diversidade na Animação Brasileira. Em 2017, lançou, em DVD, a Coletânea Mumia de Animações Mineiras, em comemoração ao centenário da animação brasileira. Traduziu os livros Jorge Sanjinés e Grupo Ukamau – Teoria e Prática de um Cinema Junto ao Povo e A Forma Realizada: o Cinema de Animação. Prepara o lançamento do livro Uma Introdução ao Cinema Underground Americano, de Sheldon Renan.
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