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A acessibilidade em libras no audiovisual

A convite de Sara Paoliello - produtora de ações de acessibilidade do Cine Humberto Mauro, comentei a “Sessão Especial: Prêmio Humberto Mauro” em que foram exibidos cinco curtas, eles: "Olhos de Erê"; "Fi Di Quem?"; "Silêncio"; "Temos Muito Tempo Para Envelhecer"; "Método". Após a exibição fiz minhas considerações levando em conta aspectos da língua de sinais e as formas de comunicação possíveis no campo audiovisual.


Me limitarei a dizer sobre as acessibilidades para pessoas surdas que se comunicam através da língua de sinais. O que se vê normalmente é a tradicional janela no canto da tela, então podemos destacar alguns aspectos técnicos e criativos para essa ferramenta de comunicação.


Primeiramente, aqui não é um lugar de críticas negativas a respeito das produções e a forma como se concretiza os recursos, mas sim abrir os horizontes para implementações diversas do recurso de libras e as estratégias para uma apreciação artística do produto final.



Remendo na tela


Temos aqui o contexto em que se aplica o padrão normativo. É um importante padrão pensando em referências de um material ideal para a comunicação em libras, levando em conta basicamente o tamanho da janela e o contraste com o fundo, sendo ele em recorte no croma ou com um fundo retangular. Todos os curtas atenderam com excelência, respeitando todos esses padrões. Um ponto importante de ressaltar aqui é em qual contexto esse modelo será aplicado. O que é comum na logística de produção de um material audiovisual é: a finalização deste e só depois é inserida a janela de libras, por vezes sem se comunicar com o produto final e consequentemente se tornando um elemento estético pouco atrativo para o espectador surdo, mas obedecendo todos os padrões normativos da aplicação da janela de libras, realizando assim, a acessibilidade para pessoas surdas daquele material. E a pergunta que fica é: meu produto está realmente comunicando em libras da mesma forma que se comunica na língua fonte? Sabemos que uma interpretação, tradução, dublagem, as várias formas de transpor algo de uma língua para outra, tal processo acaba por se perder alguns elementos que são inerentes a língua fonte, mas a atenção aqui é para entender a estética da língua de sinais como forma de comunicação artística em harmonia com o material, evitando o que vou chamar aqui de um “remendo na tela”.



Interpretação criativa


Para além do padrão normativo (reiterando a importância de uma padronização), temos as janelas criativas, que podem contribuir para uma apreciação mais fiel do discurso original (lembrando que estamos aqui levando em conta os materiais artísticos, que buscam um olhar por outras perspectivas). Tais nuances são atravessadas pela forma que o audiovisual se comunica, e a língua de sinais também passa pelo mesmo processo, por ser um recurso de comunicação tal qual é a imagem, a fotografia e todos os outros recursos necessários para a concretização do conceito.


Sendo assim, destaco aqui a contextualização na comunicação visual da língua de sinais para além dos sinais com as mãos, comunicando com o corpo, com as cores, com uma identidade visual de acordo com a própria proposta, transmitindo aquilo que é fundamental nas artes: a sensação, o sentimento, o manifesto. Transmitir. E a língua, aqui no caso a de sinais, é a ponte entre a arte e o espectador.



Considerações finais


Pensar uma acessibilidade que comunica com o material fonte é um importante passo na construção e formação de público que faz uso de tais recursos, trazendo elementos para que a pessoa surda possa se conectar as expressões ali despidas. Estamos falando de uma língua que se comunica com o corpo, e a importância deste corpo estar em harmonia, contextualizado e de acordo com a identidade do material, são preceitos básicos para uma entrega que atenda as expectativas de um povo que usa a língua de sinais como canal de conexão com o mundo, onde através da língua, irá absorver informações e devolver contribuições.


Deixo aqui também meu agradecimento pela abertura e oportunidade de fala. Agradeço também a todos aqueles que passaram por mim, agregando a toda a minha fala, os recursos necessários para que eu pudesse trazer aqui as minhas contribuições.

 

Este ensaio foi escrito por Flávio Maia, consultor em medidas de acessibilidade e intérprete de LIBRAS, em complementação a sessão comentada "Sessão Especial: Prêmio Humberto Mauro" com a exibição dos filmes "Olhos de Erê" (Luan Manzon & Bruno Vasconcelos, Brasil, 2021), "Fi di Quem?" (Karla Vaniely, Brasil, 2021), "Silêncio" (Maria Leite, Brasil, 2021), "Temos muito Tempo para Envelhecer" (Bruna Schelb, Brasil, 2021) e "Método" (Inês Peixoto, Brasil, 2021); na faixa de programação Cineclube Acessível, no dia 26 de Julho de 2023.

 

Sobre o autor

Flávio Maia é intérprete de libras, sócio na empresa F&R Libras como consultor e coordenador de acessibilidade, coda (filho de pais surdos), palestrante, proponente em várias ações de acessibilidade e inclusão na área da cultura nos principais festivais da cidade de Belo Horizonte, fundador do Bloco Magnólia e idealizador do coletivo Todos Estão Surdos que trabalha a arte surda e o protagonismo da língua de sinais. Sua filosofia de trabalho é a acessibilidade responsável.



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